Assunto polêmico, as diversas dificuldades de aprendizagem na infância geram dúvidas quanto a conduta a ser tomada pelos pais na educação de seus filhos. Dentre os problemas de aprendizagem, a causa mais prevalente é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O assunto tem ganhado grande atenção da mídia, que fortemente ataca a conduta médica, acusando os profissionais de saúde de promoverem uma medicalização da educação.
O que é TDAH?
O transtorno é um distúrbio na maturação neuronal, que acaba sendo mais lento do que se esperaria para uma criança neurotípica. Há um forte componente genético, muito provavelmente hereditário, em que está envolvido o sistema neuronal dopaminérgico. Esse sistema é o responsável por permitir que o córtex pré-frontal exerça um controle inibitório sobre outras regiões do cérebro, o que permite a concentração, o controle motor, redução da impulsividade e aumento da capacidade de planejamento e execução. Estudos modernos de neuroinagem funcional estimam as vias envolvidas no TDAH, e como ocorrem as alterações dessas vias pós-tratamento. Contudo, não há até o momento nenhum marcador biológico para TDAH, tornando o diagnóstico eminentemente clínico.
Segundo o DSM V, para que haja o diagnóstico é necessário que o indivíduo apresente pelo menos seis dos nove critérios para desatenção, ou seis dos nove critérios para hiperatividade ou ambos. Além disso os sintomas devem estar presentes em pelo menos dois ambientes (casa e escola, por exemplo) e não deve ter nenhuma outra causa que o explique, como hipotireoidismo, Coréia de Sydenham, entre outros. Os sintomas precisam estar presentes antes dos 12 anos. Além disso, é necessário que haja prejuízo na vida do indivíduo para a caracterização do transtorno. Assim, o TDAH é um transtorno que possui um espectro funcional, podendo ser do subtipo desatento, hiperativo ou misto.
Como se trata o TDAH?
O transtorno tem como componente biológico o envolvimento das vias dopaminérgicas. Dessa forma, o principal medicamento para o tratamento é o metilfenidato, um psicoestimulante que aumenta o tempo de ação da dopamina sobre os neurônios. Com a ação do fármaco, o córtex pré-frontal se torna mais ativo, o que aumenta o controle inibitório sobre outras áreas do cérebro aumentando a concentração e diminuindo a hiperatividade. Outros tratamentos não farmacológicos como o treinamento cognitivo e neurofeedback têm sido testados em pesquisas, contudo ainda sem aplicação clínica.
Quando tratar?
Há uma grande barreira em relação à saúde mental, sobretudo quanto ao uso de medicamentos, em nosso meio. O principal foco do tratamento é a criação de um ambiente neurológico capaz de executar as funções de que o indivíduo necessita. Exatamente por isso, ocorre a necessidade de avaliação médica que considere o prejuízo associado à disfunção no contexto do indivíduo.
Uma equipe de pesquisadores brasileiros e estrangeiros iniciou uma grande investigação acerca da prevalência desse transtorno em todo mundo. A conclusão foi de que cerca 5,23% das crianças em todo o mundo, independentemente da sua localização geográfica apresentam TDAH. Esse fato significa que em uma sala de 20 alunos um terá TDAH. Contudo, Polanczyk em suas investigações sobre o tema, concluiu juntamente com sua equipe que alguns pontos eram motivo de divergência para esse número. Entre esses pontos está a presença dos prejuízos para elaboração do diagnóstico.
Isso nos faz refletir em muitas peculiaridades do diagnóstico em saúde mental. Em uma de suas brilhantes palestras, Rohde, renomado pesquisador com trabalhos importantes sobre TDAH e participante da comissão que elaborou o DSM V, fez a seguinte brincadeira, “TDAH, será que somos todos pacientes?”. Isso se deve ao fato de que quando nos deparamos com os sintomas, e sobretudo quando estão elencados em escalas de triagem de sintomas e auxílio diagnóstico, possivelmente nos reconheçamos em muitas das características listadas.
Em saúde mental, muitas das doenças possuem esse aspecto que dizemos dimensional. O que isso quer dizer? Isso quer dizer que os sintomas variam assim como a altura, e precisamos classificar as pessoas em altas e baixas, ou com e sem TDAH. Mas como podemos dizer que uma pessoa é alta ou baixa sem compará-la com outras pessoas? Arbitrariamente elencando um valor de altura limite? As doenças mentais são assim, os critérios diagnósticos auxiliam na percepção dos sintomas e facilitam ao médico a elaboração de um diagnóstico. Contudo, pode uma pessoa ter triagem negativa por um instrumento e ter TDAH? Sim. E pode ter triagem positiva e não ter TDAH? Sim. Apesar de raras, essas situações podem acontecer.
Grande parte disso está na noção do prejuízo presente para se concluir o diagnóstico e também à tolerância do ambiente aos sintomas que se manifestam. Isso não torna o TDAH um transtorno ambiental, ou criando pelo ambiente, ou contexto cultural, como já discutido por Rohde e sua equipe, mas nos deixa atentos à maneira de manejar os problemas decorrentes dos sinais e sintomas.
O uso da medicação no Brasil foi matematicamente demonstrado por Mattos e sua equipe como sendo inferior ao número de crianças com TDAH segundo a menor prevalência encontrada na literatura nacional, de 0,9%. Mas isso não significa que estejamos no caminho correto ou não. Há inúmeros relatos na literatura dos riscos que estão associados ao TDAH ao longo do ciclo de vida como acidentes de trânsito, uso de drogas, gravidez na adolescência, baixa autoestima, dificuldades de manutenção do emprego e relacionamentos.
Um olhar consciente necessita de ser empregado na abordagem desse tema. Estudos que apontem para a medicação e seus benefícios na qualidade de vida e mudança nesses padrões à longo prazo precisam ter seus resultados divulgados, de mesmo modo para as intervenções não farmacológicas.
Assim, é necessário que os pais estejam atentos e que sejam presentes na vida acadêmica de seus filhos e que observem com racionalidade o crescimento e desenvolvimento deles. Dessa forma, juntamente com os professores, podem identificar rapidamente possíveis mudanças no comportamento e no desenvolvimento de seus filhos e intervir de maneira adequada. Essa intervenção necessária também deve ser medida, o uso da medicação indiscriminadamente apresenta riscos, e mesmo frente aos benefícios quando presentes precisam ser constantemente reavaliados e cautelosamente conduzidos, uma vez que o simples uso da medicação não resolve prontamente os prejuízos associados à doença. Além disso, efeitos colaterais relativos ao tratamento, sobretudo em adolescentes, como retração social, necessitam de grande atenção.
Não estamos promovendo a medicalização da educação no Brasil. Há que se tratar o que é disfuncional e que acarreta prejuízo para o indivíduo. Contudo, nos cabe questionar se estamos prontos e abertos para encarar a saúde mental com o verdadeiro respeito que merece e se, além disso, a forma de manejarmos a sociedade hoje não nos faz subestimar ou superestimar traços de personalidade e comportamento empregando a eles juízos de valor em detrimento de enxergar as potencialidades dos sujeitos.
Referências: Neuropsychopharmacology Reviews, Revista Brasileira de Psiquiatria (1), Journal of Attention Disorders, Journal of Child Psychology and Psychiatry, European Psychiatry, Revista Brasileira de Psiquiatria (2), Neurotherapeutics, American Journal of Psychiatry, Journal of Forensic Sciences, Biological Psychiatry, European Child + Adolescent Psychiatry
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