Assim que coloquei meu filho na escola, quando ele tinha um ano e sete meses, senti uma necessidade imensa de saber mais sobre o trabalho desempenhado pelas secretarias municipal e estadual de educação, relativamente aos alunos com deficiência. Na época, tive até a intenção de tentar trazer profissionais de outros estados para poder capacitar os professores da rede pública, mas não fui ouvida por quem realmente pudesse colocar em prática essa pretensão.
Conversando com um querido amigo do Tribunal de Contas, ele me orientou a procurar o Ministério Público Estadual, na pessoa da Promotora de Justiça Simone Disconsi de Sá, coordenadora do Centro de Apoio na área de Educação. Não pensei duas vezes, liguei no gabinete da doutora Simone e fui agendada para dias depois. Simpática e atenciosa, ela ouviu atentamente minhas dúvidas, pretensões e frustrações. Ali nasceu uma parceria.
Hoje, vejo na pessoa da doutora Simone uma defensora dos direitos dos alunos com deficiência e nutro admiração por seu trabalho junto à educação do Estado de Goiás. A seguir, colaciono as palavras desta atuante Promotora de Justiça acerca da educação inclusiva, indicando os pontos favoráveis e desfavoráveis:
“Às vésperas da entrada em vigor da Lei n.º13.146, de 06 de julho de 2015, chamada de “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, o país tem avanços para comemorar. De 2003 a 2014, a inclusão de pessoas com deficiência na educação básica brasileira passou de 29% para 79%, o que significa crescimento de 381%. O número de estudantes com algum tipo de deficiência, matriculados na rede regular de ensino, que era de 145.141 no início da década, chega atualmente a 698.768. A política de inclusão do Brasil também atingiu a educação superior, que registrou aumento de 475% — de 5.078 para 29.221 alunos ingressos nos últimos 12 anos.
Os números expressivos demonstram, além do processo de inclusão propriamente dito, uma modificação de comportamento, especialmente na área educacional, das famílias e dos próprios profissionais que se dedicam ao ensino público e particular no Brasil. Nas palavras da diretora de políticas de educação especial do MEC, Martinha Dutra dos Santos, “antes, vivíamos um verdadeiro ‘apartheid’: pessoas com deficiência, em situação de vulnerabilidade, distantes da escolarização. Organizações não governamentais substituíam o Estado, que se desincumbia do seu dever”.
Os números da estrutura de atendimento aos alunos portadores de deficiência, fornecidos pelo Ministério da Educação, mostram que 42 mil escolas foram beneficiadas com salas de recursos multifuncionais; 2.307 veículos para transporte escolar acessíveis em 1.541 municípios; 30 centros de formação de profissionais da educação e de atendimento a pessoas com surdez; 55 centros de apoio pedagógico às pessoas com deficiência visual e financiamento de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de nível superior.
Os dados são significativos e marcam uma década de conquista para os alunos com deficiência, pois representam o processo de construção de um novo paradigma de sociedade, com cidadania, distante do modelo de tutela, de caridade e assistencialismo. Importante salientar que, em 2008, um grande passo foi dado pelo Poder Legislativo Brasileiro, ao ratificar, com status de Emenda Constitucional, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. No artigo 24, o texto afirma que é dever do Estado assegurar sistema educacional inclusivo em todos os níveis.
A educação inclusiva, portanto, compreende a educação especial dentro da escola regular e transforma a escola em um espaço para todos. Ela favorece a diversidade na medida em que considera que todos os alunos podem ter necessidades especiais em algum momento de sua vida escolar, e que cabe à escola adotar mecanismos de mitigação das dificuldades e limitações desses alunos para que eles possam progredir em conhecimento, socialização e preparo para vida. O aluno com deficiência instiga a escola a assumir uma atitude educativa proativa como, por exemplo, a utilização de recursos e apoio especializados para garantir a aprendizagem de todos os alunos.
Um sistema educacional inclusivo é um sistema que se destina a educar todas as crianças em um mesmo contexto escolar. A opção por este tipo de educação não significa negar as dificuldades dos estudantes. Pelo contrário. Com a inclusão, as diferenças não são vistas como problemas, mas como diversidade. É essa variedade, a partir da realidade social, que pode ampliar a visão de mundo e desenvolver oportunidades de convivência a todas as crianças.
Mas nem todos os dados referentes à educação inclusiva no Brasil são positivos. Em audiência pública realizada no último mês de setembro pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados, em Brasília, que debateu sobre a educação inclusiva, especialistas afirmaram que a inclusão de alunos com deficiência na escola regular sem o apoio pedagógico necessário perpetua a exclusão de crianças e jovens.
A consultora legislativa da Câmara, Maria Aparecida Andrés, apresentou gráficos mostrando uma grande inflexão no ensino de crianças com deficiência, com um aumento expressivo delas na escola regular. Em 1998, apenas 13% dos alunos com deficiência estavam nas escolas regulares. No ano de 2008, esse número chegou a 54%. “Isso significa que está tudo bem, que os alunos estão sendo incluídos? Não necessariamente. Uma prova disso é que o número de alunos com deficiência vai diminuindo até chegar ao nível médio, algo que também acontece com os alunos sem deficiência”, disse ela. Segundo a consultora, a vida educacional dos alunos com deficiência acaba sendo diminuída por todas as dificuldades apontadas na audiência, como a falta de recursos pedagógicos que possibilitem um real aprendizado.
Evidentemente, quando se trata de educação inclusiva, o foco deve ser a disponibilização de técnicas e recursos pedagógicos que possam, de fato, integrar o aluno ao ambiente escolar, sendo de menor importância o fato de estarem, todos os alunos, em um mesmo prédio. Não há como negar os benefícios trazidos pela convivência entre os alunos, sua integração e socialização, o que permite a todos uma experiência riquíssima em termos de respeito à diversidade. Todavia, não basta que os alunos com deficiência estejam presentes na escola regular. É imprescindível que eles estejam presentes, como sujeitos de direito, no planejamento das atividades pedagógicas da escola, na preocupação com a adequada formação dos profissionais que serão diretamente responsáveis por esses alunos, na programação de encontros entre a escola e a família, buscando compartilhar experiências e discutir estratégias em conjunto.
Enfim, incluir as pessoas com deficiência no ambiente escolar é um desafio para todos nós, pois pressupõe a estruturação de uma polícia pública consistente e transformadora, apta a modificar paradigmas históricos de exclusão e segregação. É preciso que as famílias confiem no potencial inclusivo e acolhedor da escola, a fim de que possam, com tranquilidade, matricular seus filhos em escolas regulares e participarem ativamente do desenvolvimento do processo educacional, que é único para cada pessoa, notadamente para aquelas que possuem limitações e necessidades especiais.
O desafio é tão grande quanto apaixonante, pois somente aqueles que têm a oportunidade de conviver com a diversidade possuem a dimensão das potencialidades do ser humano, independentemente dos fatores que limitam algumas de suas funções, sejam elas de natureza física, sensorial ou intelectual. As nossas crianças e jovens merecem essa oportunidade. Que possamos, juntos, continuar avançando na estruturação desse sonho.
*Tatiana Takeda é mãe de uma criança com autismo, advogada, professora universitária, servidora pública, mestre e especialista em Direito e especializanda em Autismo.
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