Disponível em: http://autimates.com/content/2015/05/AUTISMO-COMPORTAMENTO-ESTABELECENDO-REGRAS
por Fatima de Kwant
Holanda, 19 de Maio de 2015
A família é uma pequena sociedade e toda sociedade precisa de regras. Crianças com autismo são, antes de mais nada, crianças. Como tal, necessitam regras que os ajudem a entenderem o ambiente onde vivem e se comportarem de acordo.
Estabeleça regras claras e sensatas para sua criança autista, reforçando as mesmas com consistência e consequências apropriadas. Ao fazer isso você estará ajudando seu filho a desenvolver hábitos diários de autodisciplina. Não espere que uma nova regra seja entendida imediatamente. Lembre-se que é a insistência que irá fazer com que a criança a considere parte de sua rotina. Qualquer criança pode aprender qualquer coisa caso seja encontrada a maneira efetiva para ensiná-la. As sugestões feitas neste artigo podem ser aplicadas em qualquer criança, independente de sua condição neurológica. As crianças e adolescentes autistas, no entanto, apresentam um desafio maior para seus pais e educadores.
Os autistas não verbais e/ou com a cognição comprometida podem encontrar mais dificuldades que os autistas com menor dificuldade de comunicação. No entanto, fazendo-se uso de outros métodos educacionais, eles também podem entender o que seus pais tentam lhe ensinar. O uso consistente de pictogramas, no caso, pode ser um excelente instrumento de comunicação. Seguir regras é possível e vai ajudá-lo a proteger o bem estar físico e mental do seu filho, seja qual for o grau de autismo.
Aqui seguem algumas dicas para os pais e educadores estabelecerem regras, determinarem tarefas ou como agir quando as crianças não os obedecem.
Seja claro - Um dos motivos pelos quais algumas crianças não fazem o que se pedimos é por que não somos claros o suficiente nas nossas mensagens. Exemplo: ao invés de dizer: “Arrume seus brinquedos, por favor”, tente: “ Pegue os carrinhos do chão; coloque os carrinhos no cesto.” A criança pode não saber COMO arrumar. Tenha certeza de que ela compreende a tarefa.
Troque “Não fique no computador muito tempo” por “ você pode ficar no computador até 17:00 horas”. No caso do autista não ter ainda noção de tempo, faça uso do Time-Timer *. Especifique cada tarefa ou regra. Se ele não consegue pensar como você, pense como se fosse ele.
Seja lógico – Toda criança tende a aprender melhor quando a explicação tem lógica. “ Porque não!” é uma frase que pais deveriam evitar. A criança autista precisa de lógica para fazer senso do comportamento das pessoas a sua volta. Explique-lhe, usando sua forma de comunicação, que na sua família todos os membros fazem “assim” (comportamento desejado). Exemplo: “Aqui em casa não batemos (chutamos, comemos com as mãos etc.). Se necessário, fale e mostre à criança um pictograma de uma criança batendo em outra (ou a foto dela mesma batendo num membro da família) com um X vermelho, dizendo “NÃO”. Pode ser que você também queira mostrar-lhe qual o comportamento desejado. No caso, fale e mostre a ela uma foto onde os familiares sejam gentis uns com os outros. Dessa vez com um dedo polegar ou o símbolo check (√) na cor verde.
Seja criativo usando aquilo que desperta a curiosidade da criança para estimular bom comportamento e interromper o indesejado.
Em seguida explique a ela, do modo mais simples, o por quê. Quanto mais desenvolvida a criança, mais lógica você deverá lhe dar. Exemplo: “Não batemos porque bater dói” ou “Não batemos porque aqui em casa só gostamos de carinho.”
As regras são mais fáceis de serem aceitas quando são baseadas em bons princípios, como a justiça e a gentileza.
Seja consistente – Assegure-se de que seu filho compreende que a regra será mantida o tempo todo, inclusive fora de casa. Assegure-se de reforçar a regra toda vez que esta é quebrada. É essencial que os pais dêem o exemplo. Exemplo: se você quer que seu filho pare de gritar, evite fazer o mesmo na presença dele.
Exceções podem existir mas lembre-se que “às-vezes-sim-às-vezes-não”, para uma criança autista, pode ser muito difícil de entender. Portanto, a regra tenderá a não ser seguida.
Escreva ou desenhe as regras num papel – Muitos autistas são mais responsivos ao que veem do que ao que ouvem. Escreva num papel as regras principais (da casa, escola etc.). Se necessário, desenhe. Sugestão: Escreva as regras da casa numa cartolina. Não escreva mais que cinco de uma vez. Caso necessário, utilize mais cartolinas, espalhadas pelos cômodos da casa (banheiro, quarto, sala, cozinha etc.). Cole uma foto da criança na parte de cima. Sempre que ela esquecer a regra, mostre o cartaz a ela para lembra-la do que deve fazer.
Reconheça (compense) o bom comportamento – Sempre deixe seu filho saber o quanto você aprecia o fato dele respeitar s regras da casa, elogiando o fato. Nomeie aquilo que ele/ela fez corretamente ao invés de focar no que fez de errado. Quando pais se apressam mais em elogiar do que em criticar, a criança aprende a se sentir bem consigo mesma, desenvolvendo auto estima e autoconfiança. Você pode optar por um sistema de recompensa. A cada regra/tarefa cumprida, a criança ganha pontos/créditos/adesivos; a cada x pontos, ela ganhará um prêmio – a ser previamente estabelecido.
Não desanime – Não desanime se for necessário muito tempo até que a criança assimile a regra. Tampouco desanime se você passou a vida toda deixando seu filho fazer o que quisesse, pois “é autista”. Acredite que mudanças podem acontecer em qualquer idade, ainda que mais difíceis de serem realizadas. Diga a seu filho que, hoje, você é um/a novo/a pai/mãe! Mantenha o carinho que sente por seu filho sem perder a determinação de que é possível que mude. Acredite que é possível ele/a mudar. Sua atitude vale mais que mil palavras.
Crianças neurotípicas ("normais") aprendem através de exemplos, bem mais do que através de palavras. No entanto, as crianças autistas podem não imitar as ações de seus pais, tampouco entender o que falam. Estas crianças têm o dom de absorver o que seus pais SENTEM ou PENSAM delas. É importante que pais e educadores mantenham uma atitude positiva.
Se o "pé firme" de seu filho é grande, o seu será maior. Foque no resultado: o adolescente que não vai mais andar pela casa nu; a menina que não mais vai riscar os cadernos do irmão mais velho; a criança que vai comer à mesa com os outros membros da família. De pequenas a grandes, as regras da casa podem ser obedecidas. Autistas não são animais, são pessoas especiais, capazes de fazer tudo desde que nos disponhamos a descobrir como ensiná-los e qual o melhor momento para iniciar uma mudança.
O que fazer quando seu filho quebra uma regra
1-Analise se você o instruiu específica e claramente. Exemplo: Ao invés de dizer “Está na hora de ir pra cama”, diga: “ São 21:00; você agora vai para a cama, dormir”.
2- Foque no comportamento, sem humilhar a criança ou faze-la envergonhar-se de si mesma. Evite dizer: “ Quando é que você vai crescer??..” ... " Já te disse mil vezes! Quando é que você vai me ouvir??...” e tente: “Eu quero que você faça isso-ou-aquilo”.
3- Informe à criança o que acontecerá se ela quebrar a regra (consequência). Deixe que faça sua escolha. Se ela quebrar a regra, ainda assim, leve a cabo a consequência desta escolha sem fraquejar. Muitas quebram as regras porque não as compreendem. Pais estão cientes disso e, por sentirem pena, desistem. É importante manter-se neutro e focado no resultado final. Lembre-se de usar a linguagem/modo de comunicação que a criança melhor compreender (imagens, palavras ou ambas).
4- Mantenha a voz em tom normal, não gritando ou demonstrando muita emoção. De outro modo a impressão da criança é a de que você perdeu o controle. Isso pode deixa-la insegura. Fale com ela de um modo natural e decidido. Exemplo: Mostre a ela a tabela de regras e diga: “Você agora vai fazer isso-ou-aquilo.”
Planeje as consequências (castigo) de antemão:
Tenha certeza de que o castigo não seja muito ruim. É importante não exagerar na punição. Exemplo: não ameace deixá-lo uma semana sem o tablet por ter empurrado o irmão. O que você vai impor se algum dia ele fizer ainda pior (bater, chutar?). Seja realista. No caso, tenha certeza que a punição para o empurrão já seja conhecida pela criança. Se foi sua escolha (ainda que inocentemente) empurrar o irmão, o castigo deveria já ter sido estipulado como, por exemplo, o resto do dia sem o tablet.
Não diga aquilo que você não está preparado para cumprir. Num momento de estresse, os pais podem dizer coisas das quais se arrependem quando mais calmos. Tente se controlar quando impuser uma consequência. A melhor forma é fazendo uso de uma tabela já estipulada, num momento neutro, prévio à quebra de uma regra.
Elogios são mais poderosos do que castigos
Todo ser humano gosta de ser bem tratado. Um afago ou um elogio são mais poderosos que punições. No caso do ensinamento de regras ou de interrupção de mau comportamento, queremos ganhar a confiança da criança. Enquanto o castigo gera medo e ansiedade, o elogio sincero faz com que a criança sinta-se bem e com vontade de repetir a sensação. É uma espiral positiva. Por menor que seja o objetivo a alcançar, mesmo que a criança não o tenha alcançado por todo, cumprimente a tentativa (intenção) dela executar o que você havia pedido. A tendência é ela tornar-se cada vez mais receptiva à nova regra/tarefa ou de cessar o comportamento indesejado.
NÃO
Ao contrário do que muitos terapeutas afirmam, a palavra “não” pode ser usada. No entanto, perderá sua força quando dita em demasia. O poder do termo está no momento certo em que é utilizado. Pais devem economizar o “não” para as situações de muita urgência, como por exemplo quando a criança se encontra em perigo ou coloca outros em perigo.
Há vários momentos num dia em que se pode evitar usar esta palavra. Quando a criança estiver fazendo algo que seus pais não querem que faça, estes podem distrai-la, por exemplo, lhe mostrando um objeto, chamando seu nome, pegando suavemente pela mão e levando para um outro ambiente.
Ao contrário, na iminência do perigo ou de uma situação mais séria, pais podem fazer uso da palavra. Nesse caso com mais chance de obter o impacto desejado – a criança parar o que estava fazendo.
Vale observar que algumas crianças riem ou seguem fazendo o proibido quando ouvem "não!". No caso, a expressão facial ou a entonação do adulto lhe chamou a atenção. Ela, então, quebra a regra porque a reação do adulto lhe agradou e ela quer que este a repita. Tente mudar o tom de voz e não demonstrar emoção forte (de susto ou zanga). Analise a situação, sempre.
Experimente desenhar uma tabela onde no lado esquerdo haja dois elementos proibidos e do lado direito, 5 elementos liberados. Exemplo: lado esquerdo – em letras vermelhas – Não bater e não chutar. Lado direito, em letras verdes – afagar – levantar e ir pro quarto – chamar mamãe ou papai – pegar um outro brinquedo (bola/boneca etc.) – fazer outra atividade.
À medida que a criança cresce e se desenvolve, os esquemas irão ficando mais sofisticados. Se a criança autista já alcançou um nível mais alto de comunicação, deixe que ela contribua nas sugestões. Exemplo: ao invés de lhe mostrar uma lista de tarefas, sente-se com ela e, juntos, decidam que tarefas devem ser de sua responsabilidade. Além de permitir que tenha um certo controle nas suas escolhas, estará aumentando sua auto estima, como membro integral da família.
Resumo
Toda criança/adolescente autista tem o potencial de aprender uma regra, seja com vistas a estimular um determinado tipo de comportamento ou cessar um comportamento indesejado.
O método de comunicação usado deve encontrar as possibilidades da criança no momento – imagens, tabelas, linguagem oral, linguagem escrita, desenhos, PECS**, TEACCH*** etc.
À medida que a criança evolua, ofereça-lhe mais desafios - mais regras, mais tarefas, mais cooperação. Não exija dela o que não pode (ainda) oferecer, mas também não a subestime. Crianças com autismo aprendem de um modo diferente das neurotípicas.
A consistência dos pais é essencial. A criança só aprenderá quando entender que ação (dela) X atrai reação Y (dos pais/escola).
Mantenha a calma; a sua mensagem chegará até a criança mais rápido se você mantiver tranquilidade (naturalidade) ao falar.
Insista, não desista. A vitória é dos persistentes.
*Time-Timer – Ferramenta de ler o tempo, utilizada na Educação Especial.
http://www.timetimer.com/
**PECS (Picture Exchange Communications System) - Sistema de Comunicação pela troca de figuras
http://pecs-brazil.com/
***TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication Handicapped Children) –
Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com a Comunicação Comprometida.
http://www.lucasdorioverde.apaebrasil.org.br/noticia.phtml/34778/METODO+TEACHH+MODELOS+DE+ATIVIDADES+PARA+CONFECCAO+.html
Ao contrário do que muitos terapeutas afirmam, a palavra “não” pode ser usada. No entanto, perderá sua força quando dita em demasia. O poder do termo está no momento certo em que é utilizado. Pais devem economizar o “não” para as situações de muita urgência, como por exemplo quando a criança se encontra em perigo ou coloca outros em perigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário